Na segunda-feira (04), o Congresso francês fez história ao aprovar Projeto de Lei que defere o direito à interrupção voluntária da gravidez na Constituição. A promulgação do PL está prevista para sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, representando um momento simbólico para o progresso dos direitos das mulheres. Carolina Costa, professora de Direito Penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB) comenta os desdobramentos sociais da medida.
Segundo Carolina Costa, entre os argumentos destacados pelos defensores do aborto para justificar o voto favorável, está a necessidade de elevar o status desse direito e garantir a liberdade de escolha no planejamento familiar como um direito constitucional das mulheres, inclusive a importância histórica da lei Simone Veil de 1973, que descriminalizou o aborto na França, também foi ressaltada na ocasião.
“A inclusão do direito ao aborto na constituição francesa é um sinal de amadurecimento social e constitucional. É uma evolução natural em resposta à legislação de 1975. A França se tornou pioneira ao ser o primeiro país do mundo a consagrar o direito ao aborto como um direito constitucional”, afirma a jurista. A especialista considera como impactos sociais e políticos dessa medida, as repercussões e influências além das fronteiras francesas.
De acordo com a especialista, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 2022, demonstrando a necessidade de elevar o status desse direito das mulheres ao nível constitucional, protegendo-o de possíveis alterações legislativas que pudessem colocá-lo em risco, teve um impacto significativo na recente decisão do parlamento francês. “Ao conferir a esse direito um status constitucional, sua remoção da Constituição torna-se mais difícil neste momento”, completa.
A professora de Direito do CEUB acrescenta que a decisão incorpora a discussão no âmbito dos direitos fundamentais, da liberdade de escolha e da autonomia, fortalecendo os direitos das mulheres. Para ela, a evolução da teoria dos direitos fundamentais, especialmente sob perspectiva de gênero, é extremamente positiva. Porém, por outro lado, a decisão que reverteu o precedente no caso Roe vs. Wade, da Suprema Corte dos EUA, trouxe limitações e dificuldades. Em vez de elevar o status do direito ao aborto para definição constitucional, o resultado foi o oposto.
“Isso porque o alcance dos direitos das mulheres foi reduzido e a autoridade sobre o assunto foi delegada a cada estado. Como resultado, nos Estados Unidos, existe uma disparidade no direito de escolher interromper ou não uma gestação, pois não é garantido em todos os estados. A decisão da França representa um movimento de fortalecimento institucional na garantia desse direito fundamental”, destaca.
Precedente para outros países
Carolina ressalta que, há muito tempo, na França, é considerado crime negar o acesso à interrupção da gestação. Quando uma mulher grávida buscar os serviços de saúde, ela deve ser informada desde as primeiras consultas sobre seu direito à interrupção da gestação. Caso não seja indicado, o profissional de saúde pode ser responsabilizado criminalmente. “Essa abordagem reflete uma proteção voltada para o direito à informação, a tutela da saúde e a autonomia das mulheres. Parece ser um sinal de amadurecimento do debate público em relação à sociedade, em contraste com outros países onde essa diferenciação ainda não é tão clara”.
A docente do CEUB considera a experiência francesa um precedente para outros países que adotam perspectivas liberais, de defesa de direitos fundamentais em seus estados democráticos. “A definição do direito ao aborto, do direito a um planejamento familiar consciente por parte das mulheres e laico, sobretudo laico, é uma grande conquista de um estado democrático de direito. E nessa esteira, me parece que outros países também podem se inspirar nessa trajetória da França em relação ao aumento, a elevação do status desse direito fundamental”, arremata.