O Conselho Federal de Medicina (CFM) atualizou, nesta terça-feira (20), as diretrizes que regulamentam a realização de cirurgias bariátricas e metabólicas no Brasil. Com base em evidências científicas mais recentes, a Resolução nº 2.429/2025 amplia as indicações do procedimento, permitindo que mais pacientes tenham acesso à cirurgia — inclusive adolescentes e pessoas com graus mais leves de obesidade, desde que acompanhadas de outras doenças.
As mudanças refletem um movimento da medicina em reconhecer a obesidade como uma doença crônica e multifatorial. “A ampliação dos critérios para a cirurgia bariátrica é um avanço significativo no tratamento da obesidade, reconhecendo a complexidade da doença e a necessidade de abordagens terapêuticas diversas e adaptadas a cada paciente”, afirma Alessandra Rascovski, endocrinologista, diretora clínica da Atma Soma e fundadora do Ambulatório Clínico de Obesidade Severa do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Segundo o CFM, a atualização busca garantir mais segurança, equidade e eficácia no tratamento da obesidade, condição que afeta mais da metade da população brasileira, segundo dados do Ministério da Saúde.
Novas diretrizes
Entre as principais mudanças está a ampliação da faixa de Índice de Massa Corporal (IMC), considerada para indicação da cirurgia. Antes, o procedimento era recomendado para pacientes com IMC acima de 40 kg/m², quando associada a comorbidades. Agora, pessoas com IMC entre 30 e 35 kg/m² também poderão se submeter à cirurgia, desde que apresentem doenças associadas, como diabetes tipo 2, apneia obstrutiva do sono grave, doenças cardiovasculares, esteatose hepática com fibrose, refluxo gastroesofágico, entre outras.
Outra novidade importante diz respeito à idade. A cirurgia passa a ser permitida para adolescentes a partir dos 16 anos, os únicos critérios exigidos serão os já adotados para adultos, como o IMC mínimo e a existência de comorbidades — e, em situações específicas, a partir dos 14 — desde que com obesidade grave (IMC acima de 40 kg/m²) e complicações clínicas relevantes. Nestes casos, será necessário o consentimento dos responsáveis e a avaliação de uma equipe multidisciplinar.
A nova resolução também retira algumas restrições anteriores, como a exigência de um tempo mínimo de convivência com a obesidade ou um limite máximo de idade para realizar o procedimento. Além disso, reforça que a cirurgia deve ocorrer em hospitais com infraestrutura adequada para procedimentos de alta complexidade, incluindo Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e plantão médico 24 horas.
Obesidade é uma doença crônica
A endocrinologista ressalta que a obesidade é uma condição crônica recidivante, ou seja, tende a retornar, e muitas vezes exige o uso constante de medicação para evitar que o paciente volte a ganhar peso. Alessandra destaca que a obesidade não está ligada apenas ao comportamento, mas a uma complexa interação de fatores, como genética, aspectos ambientais, psicológicos e outros. “As últimas décadas foram essenciais para esclarecer que a obesidade vai muito além de ‘comer menos e se exercitar mais’. Hoje sabemos que não se trata de uma falha de comportamento, mas sim de uma doença que necessita de intervenção”, explica.
Ela também chama atenção para o desafio de manter o peso após o emagrecimento. “Quando existe obesidade severa, a chance de manutenção do peso após o emagrecimento é de apenas 10%. Claro que a postura que o paciente irá adotar, seja com a adoção de uma rotina de atividade física regular e disciplinada, alimentação regrada, sono em dia e emoções bem cuidadas, também conta muito”, conclui
Cenário da obesidade no Brasil
A atualização das diretrizes ocorre em um contexto preocupante: atualmente, cerca de 31% da população brasileira vive com obesidade, e 68% têm excesso de peso, somando sobrepeso e obesidade. De acordo com dados apresentados no Congresso Internacional sobre Obesidade (ICO) do ano passado, quase metade dos brasileiros adultos (48%) sofrem com essa condição e mais 27% terão sobrepeso até 2044, totalizando 75% da população adulta. Esse aumento está associado a um crescimento significativo de doenças crônicas, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Apesar do aumento da obesidade, o número de cirurgias bariátricas realizadas ainda é baixo em relação à demanda. Em 2023, foram realizadas 80.441 cirurgias bariátricas no Brasil, enquanto cerca de 8,2 milhões de pessoas teriam indicação para o procedimento, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). A maioria das cirurgias é realizada por meio de planos de saúde, com uma parcela menor sendo realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Excesso de gordura corporal: impacto nos órgãos
Alessandra explica que quando há um excesso de gordura corporal, isso gera vários gatilhos. “O paciente pode ter sintomas gástricos, como problemas no estômago, alteração na microbiota intestinal, além de surtir impactos no cérebro – especialmente no hipotálamo – já que a neuroinflamação impacta tanto na regulação da fome, quanto no gasto energético e regulação de humor. Tudo isso aumenta o risco de doenças metabólicas e de problemas cardiovasculares”.
Nas mulheres, a diretora clínica da Atma Soma complementa ainda a ocorrência de problemas no aparelho reprodutivo, incluindo irregularidades na menstruação e dificuldade para engravidar. Nos homens, o excesso de gordura pode gerar queda nos índices de testosterona e da libido.